Eu quero muito falar
desse filme e do impacto que teve em mim, e as reflexões que estou
fazendo sobre isso. E tem spoiller, então, se você ainda não
assistiu e tem interesse em filmes com temática homossexual, esse é
um dos bons, que te faz pensar.
Pra começar, é
estranho como gente LGBT nasce nos lugares e famílias mais
diferentes o possível do que somos. Eu nasci numa família
Matriarcal. Minha avó fugiu do meu avó, com 4 filhos. Ele batia
nela, e fazia algumas outras coisas que ser humano nenhum devia
aceitar. Então ela se cansou e caiu fora. Antes disso, minha avó
tinha um pai meio estranho. Ele não queria que ela estudasse e a mãe
dela também não suportou, reza a lenda que minha bisavó cometeu
suicido. Mas ninguém sabe exatamente. Minha avó era uma mulher
forte e passou isso pra gente. Eu sou a filha única da filha mais
velha.
O filme. Rick Jones é
adoravel.
E é engraçado como as
pessoas estranhas guardam os segredos dos outros. Parece sina, se
você é um pouco diferente, as pessoas confidenciam a você as
coisas delas, coisas que elas não podem compartilhar com o resto das
“amigas”.
Como lésbica, eu tava
torcendo pra Francesca. Eu queria que as duas ficassem juntas, elas
estavam apaixonadas e podiam explorar aquilo um pouco mais. Mas a mãe
da Francesca fez o que qualquer mãe faria. Ela fez de um jeito meio
podre, mas fez o papel dela de proteger a filha.
Ai eu reparei que a
Franchesca fazia a mesma coisa. Ela parecia idiota, superficial, e
“inocente”, mas no fundo no fundo, ela queria ser ela mesma e
explorar a vida, as coisas da vida.
Acabei percebendo que a
gente aprende a “fingir” com nossos pais. As coisas que a gente
faz e que eles não gostam, e ai a gente aprende a não deixar eles
perceberem que a gente continua fazendo. É engraçado, mas ao mesmo
tempo, fingir ser bonzinho, tem seu preço.
A Rick tem uma família
legal, o pai fazia o possível pra participar da vida dela, o
irmãozinho também, e não tinha nenhum conflito grande. Ai lembrei
de Glee. O Kurt, o pai dele. O Amor faz coisas maravilhosas, e uma
delas é que os filhos são o “cheque-mate” na vida de um pai, de
uma mãe. O amor é incondicional, e as coisas são complicadas.
A postura da Rick era
bem de pessoa generosa, ela respeitava o melhor amigo, respeitou
Franchesca e até pra escapar da briga com o David, ela foi uma lady.
Eu gostei do pai da
Franchesca também, quase enforcando o David e dizendo que a filha
dele ia andar com quem ela quisesse e David deveria respeitá-la.
Foram 3 segundos magicos.
E depois do sexo, que
elas estavam conversando sobre definições. E somos todos humanos,
nossas experiencias nos tornam humanos. E ninguém carrega um cartaz
no pescoço dizendo o que é ou deixa de ser. Mas até pra gente
encontrar os semelhantes, precisamos nos definir. Nos classificar e
rotular, como em Pluft Plaft Zum: Tem que ser selado, registrado,
carimbado, rotulado se quiser voar. A vida da gente também é assim.
No meu caso, eu estudei
numa escola onde as pessoas me chamavam de sapatão pelas costas, e
eu estudava numa classe só de meninas. Eu nem sabia que eu era
lésbica, mas as pessoas sabiam. E ai vem a pergunta: Como elas
sabiam? Essa parte eu não entendo, a gente passa a vida toda
tentando se entender, e por algum motivo, as pessoas que são de
fora, nos entendem. Não numa maneira muito cordial, mas eles sabiam
que eu era diferente, e não só diferente. Lésbica.
Eu tinha 20 anos quando
conheci uma moça lésbica. Ela tava muito feliz com a vida dela,
namorava, trabalhava, fazia faculdade. Mas a gente nunca chegou a
conversar sobre questões pessoais desse tipo.
Algumas pessoas se
apaixonam e dão sorte do seu objeto de desejo sentir o mesmo. Comigo
não foi assim. Eu tinha minhas “crashs”, mas eu só queria
amizade. Por outro lado, minhas amigas mais “safadinhas” me
contavam suas experiencias, lembrando que eramos adolescentes e por
experiencia, estou falando de beijo na boca. Elas diziam como estavam
felizes e satisfeitas com seus romances heterossexuais, ao mesmo
tempo me consolavam, diziam que eu ia encontrar o cara certo. E eu
tentava, mas não me sentia bem, aquela alegria que todo mundo tinha,
eu não tinha. É como se eu não pertencesse aquela realidade, e
passei o resto do tempo tentando pertencer. Robby disse pra Rick que
ela era a pessoa mais decidida que ele conhecia. Mas antes disso, ele
falou algumas verdades bem profundas. A gente passa a vida toda
tentando “figure this shit out”, que é tentando se encaixar,
tentando fazer o trabalho que gosta, viver a vida como a gente
imagina que é certo. E tipo, pra alguém brigar pra ser aceito, ou
mesmo pelo seu direito de existir, precisa ter muita certeza. Mas a
certeza tambem é algo natural, como o Sol que aquece o dia, e queima
se você ficar exposto muito tempo.
Eu acho que eu sou
muito clichê. Quando eu tinha 20 anos, conheci minha primeira
namorada. Foi um romancezinho, meu primeiro beijo, mas um mês depois
eu sai da cidade. E ficou só no beijo mesmo. Ai, eu fiquei com
meninos, mas continuava ruim, eu não sei porque as pessoas dizem que
vai melhorar com o tempo. Não vai. E com 24 eu me apaixonei por uma
menina mais nova que eu, ela parecia o Lex Luthor, sexualmente
irresistivel, mas oh bicho ruim do caralho! Traição, mentiras,
manupulação, isso eram as coisas boas. As ruins, eram que ela ainda
era apaixonada pela ex, e tava me usando, quando ela se sentia mal,
ou sozinha, tinha a tonta aqui pra ficar com ela. Mas ai, antes disso
inclusive, eu tinha minhas melhores amigas heteros. E pra contar? Eu
contei, detesto mentira, mas foi foda pra elas lidarem com isso. Eu
queria que tivesse algum livro, ou um filme pra ver, algo que me
explicasse que aquilo era a vida. E não que eu era uma aberração,
que vou pro inferno, ou que estou indo contra a leis de Deus. Minha
família é meio desorganizada, mas somos pessoas religiosas, sabe?
Minha mãe lia a Biblia comigo e sempre tinham estudos enquanto eu
crescia. Me apeguei muito a Deus na minha adolescencia. Eu tinha medo
de fazer algo que eu me arrependesse depois. Engraçado isso, as
pessoas falam, só me arrependo que não fiz. Mentira gente, tem
coisas que a gente faz que vão estar lá, podemos esquecer, fingir
que não existe, mas está lá. Eu sou pisciana, emocional e tudo
mais. Mas eu não sou “galinha”, sempre respeitei as pessoas, e
eu não invisto em ninguém. Entao sempre, era a outra pessoa que
desmonstrava interesse e as coisas aconteciam. Menos na internet,
porque precisa deixar uma frase de efeito pra pessoa ter interesse em
você. Eu não sei porque to saudozista, mas acho que é a coisa de
ser inspirado por um filme, por isso filmes são tão bons. A gente
reflete e analisa, buscando respostas e conclusões.
Eu sou cercada de gente
hetero, as vezes eu reclamo um pouco disso, porque é meio estranho
não compartilhar algumas coisas. Mas por outro lado, eu não gosto
muito do que acontece com algumas comunidades lesbicas. Vai ver que
não me adapto a lugar nenhum. Quero ser diferente assim no meu
mundinho mesmo.
Eu tava pensando, desde
pequenas a gente escuta historias de princesas e fica aquele “sonho”
de se casar e ter filhos, e a Rick também queria isso. Deviam fazer
historias da Disney com trangeneros, lésbicas, gays, travestis,
assim todo mundo pode sonhar a vida que se enquadra. Eu tava vendo a
entrevista da Alessandra Maetrini na TV Brasil, programa Plural. E
ela disse, que o problema é que querem encaixar o quadrado no
redondo. Como aqueles brinquedos de criança, onde a peça só
encaixa se a figura geometrica for igual. E acho que isso acontece
muito com a comunidade LGBT, deve acontecer em outras comunidades
também, mas a LGBT, é a que me afeta. Eu tava falando com um cara,
ele é negro, falavamos de religião. A família dele é muito
religiosa também, e ele foi buscar uma religião em que se
enquadrasse, estavamos falando dessas experiencias. E quando fui num
centro Kardecista, me disseram que já que eu nasci mulher, eu tenho
que ficar com homem. Ou guardar minha sexualidade pra mim. Tipo, se
eu não quiser me relacionar com homens e não “deveria” me
relacionar com mulheres, então eu poderia ficar sozinha. Mas também
que não deveria falar isso para as pessoas. Ai ele me disse, que
quando ele foi num centro Kardecista, disseram que ele devia ter
feito algo muito ruim na vida passada para ter nascido negro. Eu
fiquei chocada! Eu achei que a vida dele era melhor por ele ser
homem. Mas no final, estamos todos no mesmo barco. E, mesmo as
pessoas ditas “perfeitas” sofrem preconceito. No final das
contas, as pessoas vão ver o que elas querem ver e pensar o que elas
quiserem pensar, melhor cada um cuidar para ver a si mesmo como
gostaria de ser visto. Tipo a Maria Fernanda Candido. Ela é muito
linda, tava de bom tamanho já a boniteza dela, mas não, ela é
inteligente também. Ela fez faculdade, abriu um espaço multi
cultural, e escolhe os papeis que ela quer fazer.
Ainda estou tentando
entender o amor próprio. O conceito não é muito claro pra mim,
porque amar-se de mais, pode ser egoismo, ou narcisista. Ao mesmo
tempo que, não se amar, pode ser perigoso. O ideal seria se
pudessemos nos ver e aceitar como somos. Mas como a gente vai fazer
isso sem se comparar com as outras pessoas? E eu sei que depois que
você consegue as respostas que você busca, já não faz a menor
diferença. E que as vezes a gente poderia viver bem sem isso. Mas é
como perder a memória sabe? A gente não sabe o que esqueceu, mas
parece tão importante. E, as vezes, quando você descobre, talvez
preferisse não saber.
O filme.
Basicamente é a
historia de Rick Jones, ela é uma garota transgenero, vivendo numa
cidade pequena, ela tem um melhor amigo, Robby, e acaba se envolvendo
com uma garota Franchesca. O melhor amigo fica com ciume e se declara
pra ela. E os dois vão embora da cidade pra Rick poder realizar o
sonho dela de ser estilista.
Meio chatinho o filme,
não é? Preste atenção ao detalhes, são muitos. E se você tem
quase 40 anos como eu. Faça as pazes com seu passado. Você precisou
passar por tudo aquilo pra ser quem você é hoje, e se as suas
piores memórias desaparecessem, você sentiria falta delas.
Abraços.
Bom fim de semana e
feriado.
Obrigada por ter lido
meu texto.
Referencias:
Alessandra Maestrini no Estação Plural.
https://www.youtube.com/watch?v=2zJ9J64gto4
Pluft Plaft Zum - Raul Seixas
https://www.youtube.com/watch?v=2zJ9J64gto4
Kurt e o Pai dele.
https://www.youtube.com/watch?v=gGFKtzZBi9g
https://www.youtube.com/watch?v=3o45hErHnjk
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