sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Reflexões Boy Meets Girl (2004)

Eu quero muito falar desse filme e do impacto que teve em mim, e as reflexões que estou fazendo sobre isso. E tem spoiller, então, se você ainda não assistiu e tem interesse em filmes com temática homossexual, esse é um dos bons, que te faz pensar.
Pra começar, é estranho como gente LGBT nasce nos lugares e famílias mais diferentes o possível do que somos. Eu nasci numa família Matriarcal. Minha avó fugiu do meu avó, com 4 filhos. Ele batia nela, e fazia algumas outras coisas que ser humano nenhum devia aceitar. Então ela se cansou e caiu fora. Antes disso, minha avó tinha um pai meio estranho. Ele não queria que ela estudasse e a mãe dela também não suportou, reza a lenda que minha bisavó cometeu suicido. Mas ninguém sabe exatamente. Minha avó era uma mulher forte e passou isso pra gente. Eu sou a filha única da filha mais velha.
O filme. Rick Jones é adoravel.
E é engraçado como as pessoas estranhas guardam os segredos dos outros. Parece sina, se você é um pouco diferente, as pessoas confidenciam a você as coisas delas, coisas que elas não podem compartilhar com o resto das “amigas”.
Como lésbica, eu tava torcendo pra Francesca. Eu queria que as duas ficassem juntas, elas estavam apaixonadas e podiam explorar aquilo um pouco mais. Mas a mãe da Francesca fez o que qualquer mãe faria. Ela fez de um jeito meio podre, mas fez o papel dela de proteger a filha.
Ai eu reparei que a Franchesca fazia a mesma coisa. Ela parecia idiota, superficial, e “inocente”, mas no fundo no fundo, ela queria ser ela mesma e explorar a vida, as coisas da vida.
Acabei percebendo que a gente aprende a “fingir” com nossos pais. As coisas que a gente faz e que eles não gostam, e ai a gente aprende a não deixar eles perceberem que a gente continua fazendo. É engraçado, mas ao mesmo tempo, fingir ser bonzinho, tem seu preço.
A Rick tem uma família legal, o pai fazia o possível pra participar da vida dela, o irmãozinho também, e não tinha nenhum conflito grande. Ai lembrei de Glee. O Kurt, o pai dele. O Amor faz coisas maravilhosas, e uma delas é que os filhos são o “cheque-mate” na vida de um pai, de uma mãe. O amor é incondicional, e as coisas são complicadas.
A postura da Rick era bem de pessoa generosa, ela respeitava o melhor amigo, respeitou Franchesca e até pra escapar da briga com o David, ela foi uma lady.
Eu gostei do pai da Franchesca também, quase enforcando o David e dizendo que a filha dele ia andar com quem ela quisesse e David deveria respeitá-la. Foram 3 segundos magicos.
E depois do sexo, que elas estavam conversando sobre definições. E somos todos humanos, nossas experiencias nos tornam humanos. E ninguém carrega um cartaz no pescoço dizendo o que é ou deixa de ser. Mas até pra gente encontrar os semelhantes, precisamos nos definir. Nos classificar e rotular, como em Pluft Plaft Zum: Tem que ser selado, registrado, carimbado, rotulado se quiser voar. A vida da gente também é assim.
No meu caso, eu estudei numa escola onde as pessoas me chamavam de sapatão pelas costas, e eu estudava numa classe só de meninas. Eu nem sabia que eu era lésbica, mas as pessoas sabiam. E ai vem a pergunta: Como elas sabiam? Essa parte eu não entendo, a gente passa a vida toda tentando se entender, e por algum motivo, as pessoas que são de fora, nos entendem. Não numa maneira muito cordial, mas eles sabiam que eu era diferente, e não só diferente. Lésbica.
Eu tinha 20 anos quando conheci uma moça lésbica. Ela tava muito feliz com a vida dela, namorava, trabalhava, fazia faculdade. Mas a gente nunca chegou a conversar sobre questões pessoais desse tipo.
Algumas pessoas se apaixonam e dão sorte do seu objeto de desejo sentir o mesmo. Comigo não foi assim. Eu tinha minhas “crashs”, mas eu só queria amizade. Por outro lado, minhas amigas mais “safadinhas” me contavam suas experiencias, lembrando que eramos adolescentes e por experiencia, estou falando de beijo na boca. Elas diziam como estavam felizes e satisfeitas com seus romances heterossexuais, ao mesmo tempo me consolavam, diziam que eu ia encontrar o cara certo. E eu tentava, mas não me sentia bem, aquela alegria que todo mundo tinha, eu não tinha. É como se eu não pertencesse aquela realidade, e passei o resto do tempo tentando pertencer. Robby disse pra Rick que ela era a pessoa mais decidida que ele conhecia. Mas antes disso, ele falou algumas verdades bem profundas. A gente passa a vida toda tentando “figure this shit out”, que é tentando se encaixar, tentando fazer o trabalho que gosta, viver a vida como a gente imagina que é certo. E tipo, pra alguém brigar pra ser aceito, ou mesmo pelo seu direito de existir, precisa ter muita certeza. Mas a certeza tambem é algo natural, como o Sol que aquece o dia, e queima se você ficar exposto muito tempo.
Eu acho que eu sou muito clichê. Quando eu tinha 20 anos, conheci minha primeira namorada. Foi um romancezinho, meu primeiro beijo, mas um mês depois eu sai da cidade. E ficou só no beijo mesmo. Ai, eu fiquei com meninos, mas continuava ruim, eu não sei porque as pessoas dizem que vai melhorar com o tempo. Não vai. E com 24 eu me apaixonei por uma menina mais nova que eu, ela parecia o Lex Luthor, sexualmente irresistivel, mas oh bicho ruim do caralho! Traição, mentiras, manupulação, isso eram as coisas boas. As ruins, eram que ela ainda era apaixonada pela ex, e tava me usando, quando ela se sentia mal, ou sozinha, tinha a tonta aqui pra ficar com ela. Mas ai, antes disso inclusive, eu tinha minhas melhores amigas heteros. E pra contar? Eu contei, detesto mentira, mas foi foda pra elas lidarem com isso. Eu queria que tivesse algum livro, ou um filme pra ver, algo que me explicasse que aquilo era a vida. E não que eu era uma aberração, que vou pro inferno, ou que estou indo contra a leis de Deus. Minha família é meio desorganizada, mas somos pessoas religiosas, sabe? Minha mãe lia a Biblia comigo e sempre tinham estudos enquanto eu crescia. Me apeguei muito a Deus na minha adolescencia. Eu tinha medo de fazer algo que eu me arrependesse depois. Engraçado isso, as pessoas falam, só me arrependo que não fiz. Mentira gente, tem coisas que a gente faz que vão estar lá, podemos esquecer, fingir que não existe, mas está lá. Eu sou pisciana, emocional e tudo mais. Mas eu não sou “galinha”, sempre respeitei as pessoas, e eu não invisto em ninguém. Entao sempre, era a outra pessoa que desmonstrava interesse e as coisas aconteciam. Menos na internet, porque precisa deixar uma frase de efeito pra pessoa ter interesse em você. Eu não sei porque to saudozista, mas acho que é a coisa de ser inspirado por um filme, por isso filmes são tão bons. A gente reflete e analisa, buscando respostas e conclusões.
Eu sou cercada de gente hetero, as vezes eu reclamo um pouco disso, porque é meio estranho não compartilhar algumas coisas. Mas por outro lado, eu não gosto muito do que acontece com algumas comunidades lesbicas. Vai ver que não me adapto a lugar nenhum. Quero ser diferente assim no meu mundinho mesmo.
Eu tava pensando, desde pequenas a gente escuta historias de princesas e fica aquele “sonho” de se casar e ter filhos, e a Rick também queria isso. Deviam fazer historias da Disney com trangeneros, lésbicas, gays, travestis, assim todo mundo pode sonhar a vida que se enquadra. Eu tava vendo a entrevista da Alessandra Maetrini na TV Brasil, programa Plural. E ela disse, que o problema é que querem encaixar o quadrado no redondo. Como aqueles brinquedos de criança, onde a peça só encaixa se a figura geometrica for igual. E acho que isso acontece muito com a comunidade LGBT, deve acontecer em outras comunidades também, mas a LGBT, é a que me afeta. Eu tava falando com um cara, ele é negro, falavamos de religião. A família dele é muito religiosa também, e ele foi buscar uma religião em que se enquadrasse, estavamos falando dessas experiencias. E quando fui num centro Kardecista, me disseram que já que eu nasci mulher, eu tenho que ficar com homem. Ou guardar minha sexualidade pra mim. Tipo, se eu não quiser me relacionar com homens e não “deveria” me relacionar com mulheres, então eu poderia ficar sozinha. Mas também que não deveria falar isso para as pessoas. Ai ele me disse, que quando ele foi num centro Kardecista, disseram que ele devia ter feito algo muito ruim na vida passada para ter nascido negro. Eu fiquei chocada! Eu achei que a vida dele era melhor por ele ser homem. Mas no final, estamos todos no mesmo barco. E, mesmo as pessoas ditas “perfeitas” sofrem preconceito. No final das contas, as pessoas vão ver o que elas querem ver e pensar o que elas quiserem pensar, melhor cada um cuidar para ver a si mesmo como gostaria de ser visto. Tipo a Maria Fernanda Candido. Ela é muito linda, tava de bom tamanho já a boniteza dela, mas não, ela é inteligente também. Ela fez faculdade, abriu um espaço multi cultural, e escolhe os papeis que ela quer fazer.
Ainda estou tentando entender o amor próprio. O conceito não é muito claro pra mim, porque amar-se de mais, pode ser egoismo, ou narcisista. Ao mesmo tempo que, não se amar, pode ser perigoso. O ideal seria se pudessemos nos ver e aceitar como somos. Mas como a gente vai fazer isso sem se comparar com as outras pessoas? E eu sei que depois que você consegue as respostas que você busca, já não faz a menor diferença. E que as vezes a gente poderia viver bem sem isso. Mas é como perder a memória sabe? A gente não sabe o que esqueceu, mas parece tão importante. E, as vezes, quando você descobre, talvez preferisse não saber.
O filme.
Basicamente é a historia de Rick Jones, ela é uma garota transgenero, vivendo numa cidade pequena, ela tem um melhor amigo, Robby, e acaba se envolvendo com uma garota Franchesca. O melhor amigo fica com ciume e se declara pra ela. E os dois vão embora da cidade pra Rick poder realizar o sonho dela de ser estilista.
Meio chatinho o filme, não é? Preste atenção ao detalhes, são muitos. E se você tem quase 40 anos como eu. Faça as pazes com seu passado. Você precisou passar por tudo aquilo pra ser quem você é hoje, e se as suas piores memórias desaparecessem, você sentiria falta delas.

Abraços.
Bom fim de semana e feriado.

Obrigada por ter lido meu texto.

Referencias:
Alessandra Maestrini no Estação Plural.
https://www.youtube.com/watch?v=2zJ9J64gto4

Pluft Plaft Zum - Raul Seixas
https://www.youtube.com/watch?v=2zJ9J64gto4

Kurt e o Pai dele.
https://www.youtube.com/watch?v=gGFKtzZBi9g
https://www.youtube.com/watch?v=3o45hErHnjk

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